quinta-feira, 19 de agosto de 2010

[Crônica] Fechado para balanço


Me encontro em um quarto branco, estou sentado de pernas cruzadas, encarando o teto também branco, completamente liso. À minha frente tem uma parede, ela é transparente e o mundo está por trás dela. No momento ele passa por uma fase de transição, provavelmente uma primavera,que esquenta aos poucos após uma longa temporada de inverno. A parede é transparente, eu posso ver tudo por trás dela, mas sua película me impede ser visto ou ouvido. Como um cárcere passo os dias ali, na minha vontade de me isolar, procuro as tintas certas pra pintar as paredes daquele quarto, mas nenhuma é boa o suficiente, nenhuma me inspira o suficiente pra transformar essa fria primavera em um esplendoroso verão. Nesse momento não tenho voz, mas de vez em quando ela retorna, sai rouca e pouco expressiva, prefiro então me calar.
De vez em quando pareço maior que o mundo por trás daquela parede, vejo os lugares e pessoas tão pequenos, poderia dominá-lo facilmente, conhecer cada canto seu. Nesse momento correntes grossas me prendem à grandes e pesadas pedras, que gritam intensamente como se prontas a estourar meus tímpanos, elas querem ser lidas e decifradas, reduzidas a pó pelas minhas unhas e olhos.
Línguas de fogo lambem o quarto por fora, depois é enevoado pelo gelo, e um dilúvio ameaça invadir meu refúgio, já na altura do teto, mas nada me atinge, estou cristalizado, escoltado contra tudo. Nada é forte o suficiente para me mobilizar, muito menos para me destruir.
O tempo passa e os pêlos no meu rosto demoram pra crescer, meus cabelos se enrolam mas caem devagar, as roupas aos poucos se apertam sobre meu corpo. Uma mudança está se consolidando, uma segunda pele se forma e a antiga sucumbe, escorrendo, limpando os resquícios de lodo e piche que sujavam o chão. Nesse momento sou disforme, sou metamórfico, sei simplesmente no que não quero me transformar. Por isso ainda não me levanto, não pinto o quarto, não moldo a porta para sair dali. Mas eu sei o momento certo, um relógio com uma estranha forma me mostrará, ele baterá mais forte assim que formular meus reais objetivos. Ele tem a forma do meu coração.

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