domingo, 22 de agosto de 2010

Contos de Modernidade- Sobre a família


Era noite de um dia útil, o apartamento estava silencioso como se não houvesse ninguém, exceto pelo barulho do chuveiro de uma das suítes. Aquela casa era o lar de uma família grande, formada por três filhos, o mais velho com vinte e dois anos, a moça do meio com vinte e o mais novo com onze anos, além do pai e da mãe. Naquele momento o mais novo estava no quarto fazendo o dever de casa no quarto dele, enquanto o mais velho tomava banho no outro quarto para jantar e sair para alguma festa.

A porta da frente se abriu, o pai chegou carregando sacolas de supermercado. Jogou um molho de chaves na mesinha de centro da sala de estar e se dirigiu à cozinha. Desempacotou duas lasanhas semi-prontas e uma garrafa de refrigerante de laranja, pôs o refrigerante no congelador e a lasanha no microondas. O filho mais novo entrou na cozinha e perguntou:

-Cadê a mamãe? Tô com fome.

O pai, sem olhar para o filho , respondeu enquanto pegava um copo d’agua:

-Ainda tá no trabalho, disse pra jantarmos sem ela.

O filho deu as costas, e foi correndo para o escritório jogar vídeo-game. O pai se dirigiu ao maior quarto da casa, onde sentou na cama, retirou os sapatos e meias, foi até a suíte, tirou as roupas, olhou-se no espelho grande acima da pia. A barriga continuava saliente apesar de correr na esteira todos os dias, provavelmente por causa da cerveja diária com os amigos. Nos cabelos ele dera um jeito, pintou-os de preto, e aprendeu um penteado na internet que disfarçava a pequena careca na testa. Tomou uma ducha rápida, pôs uma bermuda e uma camiseta e foi retirar a lasanha do microondas. Foi então chamar o filho no escritório:

-Se quiser jantar, a lasanha ta pronta.

O filho não respondeu, estava com os olhos vidrados e coloridos na frente da TV. O pai sabia que ele tinha ouvido, e foi chamar o filho mais velho. Abriu a porta do quarto e ele estava deitado na cama, somente de toalha, falando com alguém no celular.

-Se quiser jantar, já está pronto.

O filho só abanou a mão pra ele fechar a porta, respondendo “Ok,ok” e o pai saiu, sem saber se o filho havia falado com ele ou com o celular.

O homem colocou os pratos na mesa, a lasanha no centro, sentou-se e começou a se servir. O mais novo chegou correndo como sempre. Sentou-se na mesa, e serviu-se de um pedaço pequeno, pondo no canto do prato coisas que não gostava na comida. O mais velho chegou, ainda de toalha, os cabelos um pouco molhados. Já era maior e mais forte que o pai, com o corpo talhado pela academia, era mais vaidoso que a mãe e a irmã.

-Poxa, lasanha de frango de novo? Ontem você comprou o mesmo sabor!- Disse ele olhando com ar de repulsa para a comida.

-Hum, foi mesmo? Esqueci. Não lembro o que eu comi no almoço.

O filho fez um muxoxo, serviu-se de um pedaço enorme, e começou a comer rápido.

Enquanto comiam, a porta da sala se abriu. A mãe havia chegado:

-Boa noite crianças. –Disse ela enquanto dava um beijo na cabeça de cada um, e um beijo no marido. Todos responderam com grunhidos, por estarem com a boca cheia.

Ela foi até o quarto, deixou a bolsa e o blazer e voltou para a mesa de jantar.

-Vocês esqueceram da irmã de vocês?

O pai bateu com a mão na testa. Havia esquecido que tinham combinado de jantar com a filha.

-Bom, espero que ela ainda esteja lá!- Disse a mãe correndo até o quarto. Voltou com um notebook nas mãos, abriu-o na ponta da mesa e conectou em um programa. Em poucos minutos a filha aparecia na tela do computador. Ela estava a um ano trabalhando na Europa, e sempre que podia jantava com a família.

Todos acenaram para ela, e a mãe se sentou ao lado do computador. Comiam calados, cada qual absorto em pensamentos e problemas.

O filho quebrou o silêncio. Estranho que cada vez que isso era feito na casa era como se uma onda de estranhamento se espalhasse por todos.

-Mãe, você ainda não me deu a minha mesada. Tenho que sair hoje e to sem dinheiro.

-Usa o cartão de crédito.- Respondeu a mãe.

-Tá bloqueado, você não pagou ainda.- Falou enquanto tomava um gole do refrigerante.

-Ai meu Deus, é tanta coisa pra eu pagar! Você podia dar um dinheiro pra ele de vez em quando não é?- Falou ela olhando para o pai, que quase não notara que ela se referia a ele.

-Tô sem dinheiro nenhum, se quiser posso arranjar amanhã.

-Como sempre. Eu tenho que me apertar pra sustentar tudo, e você pra ficar no seu eterno happy hour.-Falou a mãe com a voz estridente e irritada.

Era o início de mais uma discussão na casa, que aconteciam rotineiramente, e geralmente pelos mesmos motivos.

O filho mais novo começou a gritar e fazer barulhos, estratégia para não ouvir as discussões dos pais.

-Se você continuar gritando eu vou te dar uns tapas.- Gritou o pai

-Não grite com ele, vai traumatizá-lo! E se encostar nele eu chamo a polícia.- Gritou a mãe abraçando o filho menor que estava ao seu lado.

O pai engoliu um pedaço grande da lasanha, o rosto em chamas, o filho mais velho revirou os olhos, e o menor ficou ali parado, olhando para o prato. O mais velho levantou-se da mesa, e saiu, em poucos minutos todos haviam terminado. A filha mais velha falou pelo notebook:

-Adorei o jantar família, depois nos falamos, tenho trabalho a fazer agora. Mil beijos.- E desligou a câmera do computador.

O pai foi até o quarto onde ficou assistindo um filme de ação e explosões. A mãe ficou trabalhando no notebook até mais tarde na sala , o mais velho saiu de casa, bem arrumado, e só voltou próximo ao amanhecer. O filho mais novo foi terminar seus intermináveis deveres de casa.

O silêncio foi restaurado naquela casa. Tarde da noite os pais fizeram sexo, ela gemeu um pouco, ele revirou um pouco os olhos. Depois se viraram e dormiram, tinham compromisso de manhã cedo.

Todos foram dormir tranqüilos, mas como toda noite a mente deles emitia um alerta: estava faltando algo...

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